quinta-feira, 13 de março de 2014

Mil pedaços me preenche ...


"Que esta flor seja um pedaço de mim, que deixou a cada um, como recordação dos momentos que criamos e juntos vivemos..."
 Foi este o gesto e as palavras que deixei a quem durante um ano preencheu os meus dias ...

Hoje uma história terminou, uma história em que todos os intervenientes foram personagens principais, na qual contaram as suas próprias histórias, para acrescentar ao livro de memórias e histórias que juntos construímos... Foi uma história onde existiu cores, artes, passeios, convívio e partilha de um grupo que deu o seu melhor, para a construção deste livro, o livro da Recordação, aquele que foi editado pela editora satisfação e guardado no armário do coração... Foi um livro por nós todos criado, onde o amor reinou, a cumplicidade brilhou e a pertença a uma família se cultivou ... Foram escritos momentos, momentos em que os sorrisos eram o pano de fundo, as gargalhadas os quadros de decoração e a felicidade de algo poder fazer, de uma pequena ação poder realizar e ser essa mesma um motor de arranque para o seu bem estar... Foram pessoas conhecidas, cada uma com seu toque especial, cada uma com um interesse diferente, mas todas, todas elas procuravam o mesmo... procuravam um ombro, para desabafar... um braço, para se apararem... uma face, para beijarem... um coração, que esteja aberto para a compreensão... uma pessoa que esteja disposta aos outros, não fazendo nada, obrigação, mas sim por coração... uma pessoa que faça a diferença num grupo frágil, onde o amor falta, a compreensão se esconde, a noção de se ser humano vai aos poucos desaparecendo... e porque?! Porque existe quem não lhes de valor, quem não deixe que eles próprios possa fazer as coisas que sempre fizeram, mas que hoje, as podem fazer mas, mais devagar, mais calmamente, mas faz se, tudo se faz, quando um coração está cheio de vontade... porque existe quem os deixe sós, sem ninguém para falar, sem ninguém com quem chorar  e rir ... porque existe quem só pense no seu "eu", que os outros são apenas paisagem, que não lhes interessa. E o que acontece quando existe falta de carinho, amor, compreensão, noção de ser gente, no meio de tantas gentes, acontece que o idoso, sim os idosos são o ponto alvo que saliento, o ponto de carência da nossa sociedade, o publico alvo, com quem um ano trabalhei, que adorei e tive de deixa-los... acontece que este publico acaba por viver angustiado, com a solidão que lhes atormenta, com a falta de amor daqueles que de amor nasceram... acontece que este publico vive com sede de alguém que lhes dê amor, que lhes dê conforto, que lhes dê oportunidade de serem gente neste mundo, que para eles ainda não acabou,  e mesmo que esteja a terminar para alguns,  não é motivo de estarem a viver como se já tivesse terminado... Este foi um pedaço de um capitulo do livro que com estes meus amigos construí, onde se olha para cada rosto e sente-se que ali mora, tristeza, a tristeza de se sentir inútil, de ver que para muitos é um estorvo, de saber que não é amado por aqueles que sempre amou e ama... os filhos... Acabei por ser eu, eu a pessoa que tentou matar a sede de amor a todos que a mim se dirigiam e beijavam e à aquele que me dirigia e abraçava... Acabei por ser eu a pessoa, que quebrou as rotinas, que fez do seu dia a dia, o que os outros mais gostavam de fazer e que  a mim me deliciava proporcionar... Acabei por ser eu, eu  a pessoa que foi a neta acolhida por todos, mas que plantou, cultivou regou e deixou a planta a crescer na terra que pisou... Deixei-os, com dor para mim, dor para cada um que sentiu a minha presença como essencial naquele espaço... com dor, dor de perder banais gestos a todos nos, mas que para eles, para eles eram únicos e há muito esperados... beijos, abraços, palavra de consolo, ajuda, partilha... tantas coisas que há tanto tempo não sabiam o que era... Mas tudo tem um fim, e esta história teve de terminar, não por querer, mas por ter de ser.. Dançavam lágrimas no meu rosto, no dia da despidida, mas mais, mais dançavam naqueles rostos enrugados pela vida, eles sim tinham o coraçãozinho tão despedaço, era como se lhes tivessem a tirar um pedaço deles... assim foi o que senti também, tiraram me um bocado de mim... Hoje ainda olho para o relógio, à espera que bata as horas de começar a trabalhar, de medir tensão arterial, diabetes, de passear ao sol, de jogar ao bingo, ao domino, ao jogo do galo, de pintar desenhos afio, de fazer flores de papel, criar postais, fazer molduras, de fazer embelezamento nas unhas das senhoras, de cantar, dizer umas advinhas e anedotas, de dar um copo de água, de ajudar a subir para a carrinha e me despedir até amanha... hoje já não posso dizer até amanha... até um dia... É com dor que os deixei, por que sei e senti que eles com dor ficaram pela minha partida... Mas também consigo ficar feliz, porque se deixei lágrimas, se deixei tristeza, se deixei o desejo de tudo ser um sonho e ficar para sempre é porque a minha passagem naquele lugar, não passou em branco, é porque consegui, deixar o meu melhor, porque consegui criar momentos, que os deixam com saudades, porque consegui entrar no mundo de cada um e torna-lo diferente, um pouco mais colorido e com amor, porque consegui despertar as "gentes" escondidas nos rostos marcados pelas histórias da vida, porque consegui tirar alguém do mundo do silêncio, apenas com um simples gesto ou acão... só  por isto, fico muito feliz, mesmo estando despedaçada por dentro...
Como o princepezinho diz:"Cada um que passa em nossa vida , passa sozinho, porque cada pessoa é única, e nenhuma substitui a outra. Cada um que passa em nossa vida passa sozinho , mas não vai só nem nos deixa sós; leva um pouco de nós mesmos, deixa um pouco de si mesmo.
Há os que levam muito mas não há os que levam nada; há os que deixam muito, mas não levam nada; há os que não deixam nada. Essa é a maior responsabilidade de nossa vida é prova evidente de que duas almas não se encontram por acaso."  Assim hoje estou cheinha de pedaços de cada um, assim como deixei um pedaço de mim em cada um... Sendo da nossa responsabilidade dar o nosso melhor pedaço, colhendo o que mais nos cativou ...

Susana V

2 comentários:

  1. Muito obrigada! Sim, concordo inteiramente contigo

    Estou a fazer voluntariado com idosos e, realmente, são a faixa etária que mais sofre, que mais fica esquecida e é doloroso perceber essa realidade. Acho que podemos sempre fazer a diferença, e é bom quando nos preocupamos com alguém

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  2. Hoje ao ler este teu texto revi tanto do meu passado, há uns anos tirei Animação Socicultural, foram três anos em que lidei com idosos, em que tentei melhorar a vida deles, a saúde, a criatividade.
    O tempo passou e muito não se alterou e hoje, depois de mais uns anos de estudo em cima continuo a trabalhar para e com os idosos. São sem dúvida para mim o melhor público alvo que se pode ter.

    Hoje este teu texto marcou-me mesmo muito.

    Um beijinho :)

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